Era final de 2018 quando fiz uma viagem em família com minha mãe, madrinha e tia para visitar outra tia que vivia em São Paulo. Já trabalhava home office e levei meu trabalho comigo, mas essa possibilidade nunca sequer tinha passado pela minha cabeça antes disso. Só não perderia a oportunidade de viajar e pensei “Uai! Já tenho um trabalho que pode se movimentar comigo. Então vam’bora!.” Também tinha em mãos a câmera que utilizava para as atividades de pesquisa da universidade.
Foi um mês de imersão no encontro daquelas mulheres, irmãs, que não se encontravam (as quatro) há 24 anos. Eu ali, registrando tudo em imagens, em vídeos… Me dei conta desse grande acontecimento e decidi que meu trabalho de conclusão de curso seria sobre elas, suas histórias, suas vidas.
Finalmente estava prestes a escrever sobre algo que realmente me emocionava: as mulheres da minha família. Na volta a Salvador, emoção no peito e na cabeça novamente, apresento a ideia ao meu orientador que ficou contentíssimo e, ao mesmo tempo que contente realista, me sinalizou que quiçá precisasse um pouco mais de tempo para materializar esse grande projeto. Só a minha boa vontade de fazê-lo acontecer não era suficiente. Tinha outras disciplinas a cursar nessa reta final do curso, um trabalho numa editora para dar conta e precisava atravessar a cidade diariamente para voltar para casa e descansar. Era óbvio que eu precisava de tempo para escrever e ilustrar esse projeto, ao menos era o que me propus a fazer.
Há momentos em que não é tão fácil conciliar a vida na cidade grande com desejos emocionados. Entre buscar alternativas que me emocionavam para finalmente me encontrar com a escrita novamente, debandei para outros lados e voltei a me encontrar com a Vanessa que escrevia academicamente e esta estava extremamente ligada à causas coletivas como gênero, raça e classe. Quando penso que finalmente enganchei numa temática que me desse um quê de satisfação… Pandemia mundial! Aí eu debandei de vez! No bom sentido, é claro.
Encerrada em casa, sem a necessidade de atravessar a cidade para estudar, eu e alguns amigos do grupo de pesquisa resolvemos dar continuidade aos estudos, afinal, já estávamos na porta de saída da universidade. Mas não foi tão simples como imaginamos. Todas as dinâmicas da vida individual de cada um e do mundo mudaram, e estávamos aí, na tentativa de nos adaptarmos até que não aguentei essa prisão domiciliar por muito tempo. Era dezembro quando eu e meu companheiro decidimos viver em Arraial d' Ajuda, sul da Bahia.
Três mochilas, uma barraca, uma prancha de surf e nós dois em cima de uma Suzuki 125. Era quase impossível não voltar a se emocionar, com a vida! Antes disso já tinha começado a me emocionar de outras maneiras, mas isso é papo para outra hora.
Desta vez eu tinha levado meu trabalho de conclusão de curso na mochila, junto com uma penca de livros que chocavam constantemente nas minhas costas à medida em que o caminho ia sendo traçado sob duas rodas. Era inédito e emocionante seguir escrevendo, vivendo e ganhando dinheiro de outras formas. Ter a oportunidade de finalizar essa etapa da minha vida, a graduação, na estrada, foi de longe a experiência mais desafiadora e gratificante que a minha vontade pôde me proporcionar.
Num 8 de março em algum lugar da Vila de Itamambuca, Ubatuba, acordei com uma vizinha me enchendo de desaforos. Na mesma tarde jurei à Deus e a bandeira brasileira exercer meu ofício com ética e responsabilidade perante um monte de gente que não via há meses. Depois foi só desligar a chamada no Microsoft Teams, e caminhar com Jaws, um companheirão em forma de cachorro, pela vila até chegar ao Rio Itamambuca e jogar água para cima enquanto ele pulava feito carneirinho. A lua cheia e a noite caíam na mesma intensidade e esse nem era meu destino final.