Esses passos distantes… Parece que foi uma outra vida, em algum universo paralelo aleatório. Me dou conta das reviravoltas que o mundo dá e penso seguir aprendendo como uma criança que acaba de dar o primeiro passo, enxergar as cores e as formas das coisas ao seu redor. Por um detalhe: vou por onde meu corpo aponta.
Algum momento tinha que voltar para a faculdade, para o trabalho. Lembro de voltar a atravessar a passarela do Imbuí cambaleando, meu corpo desequilibrado a caminho do estágio no Museu de Tecnologia que mais parecia um ferro-velho abandonado. Penso agora no quanto esse pobre corpo aguentou cruzando limites que não lhe dizia respeito cruzar, ou carregando fardos que claramente não suportava.
Os detalhes desse momento entram num grande redemoinho regado a desmaios, vômitos, carro, hospital, família desbaratinada com o que via. Sentia toda a atmosfera perturbadora sem ao menos conseguir abrir os olhos. Instantes pavorosos que aos poucos foram se dissolvendo em semanas onde mal era possível tomar banho, comer ou andar sozinha. Já vivia sozinha aquela altura do campeonato, e me vi novamente na casa dos meus pais, cuidada por eles. Foi um balaço no ombro da minha independência. Só meu mapa sabe o quanto meu orgulho ariano me penetra.
Surpreendida por uma puta crise de labirintite, sabe aquela que começa com zumbido frequente no ouvido? Talvez você não saiba, mas tenha familiaridade com algumas sensações descritas. Um amigo acabava de sair da minha casa e, quando deito no sofá, a casa não parava de girar. Tive a impressão de estar naquele brinquedo Samba, dos parques de diversões, mas estava bem ali, deitada no sofá de casa. A porta a centímetros de mim, mais pareciam quilômetros. Minha sorte foi minha sobrinha Juju estar brincando na frente de casa com algumas amiguinhas do bairro. Pedi que chamasse minha irmã para me acudir ou me ver morrer. Certamente era minha morte, pensava.
Certa altura da graduação, morei com um companheiro que mal interagia em casa, afinal chegava lá pras 21h, só a carcaça do corpo moído para no dia seguinte fazer tudo outra vez. Nessas assincronicidades da vida, ele começa a trabalhar a noite, depois viaja para outro estado a fim de fazer a roda da fortuna dele girar, eu me estrupiando toda a trancos e barrancos para manter assiduidade, bom resultados no trabalho, na universidade…
Saía de manhã bem cedinho de casa e atravessava a caótica Avenida Suburbana na tentativa vã de chegar cedo a alguma aula que terminava quase às 13h, hora que deveria entrar no estágio. Era engolir a comida que brevemente se aquecia no microondas, depois de uma fila de estudantes que também estavam na copa fazendo o mesmo, e sair voando. Quer dizer, se fosse voando seria estupendo, mas aguardava ônibus aleatórios, cheios e demorados que cruzavam o Beirú em pleno sol escaldante e um mormaço do estopô. Nunca se pôde confiar nas conduções soteropolitanas. A sorte mesmo era ser estudante e pegar meia, o que me fazia pular de ônibus em ônibus para cumprir acordos e horários que saíam do meu bolso.
Tenho longas recordações do quanto em alguns momentos da minha vida me custou estar em lugares e posições que não faziam nenhum sentido para mim verdadeiramente. Diria melhor, custou ao meu corpo, minha presença, viver diária e catolicamente empregos, cursos, relacionamentos, ciclos sociais totalmente desconectados com quem eu era, o que sentia ou gostaria de viver.
Custei chegar no dia 10. A escrita me desafia a colocar as coisas pra fora e eu tentando engolir a seco. Em alguns momentos pensei que os 21 dias de escrita foram-se ao beleléu, afinal, há alguns dias não apareço por aqui. Reflito sobre o tempo que tem os meus 21 dias de escrita. Anos? Segundos?
Quiçá a temporalidade das coisas não faça tanto sentido assim pra mim, contanto que a consciência esteja simplesmente presente.